PARAHYBA E SUAS HISTÓRIAS

Coluna de Sergio Botelho, 30 de novembro a 05 de dezembro de 2025


Ainda a velha Bica do Tambiá

30 nov. 2025

Diz a lenda contada pelos nativos paraibanos que a Bica do Tambiá surgiu como consequência de copiosas e sofridas lágrimas derramadas pela potiguara Aipré, em inconsolável choro pela morte do amado Tambiá. A narrativa mítica continua sendo a única beleza, contada em placa informativa, no local, para a gente se deleitar junto à fonte que originou e consagrou o nome de um parque que só atende pelo nome de Bica, em lugar do oficial Arruda Câmara, uma figura paraibana envolvida com as coisas da natureza e digna do maior respeito histórico. O povo pede desculpa pela incontornável força do hábito.

O que não tem desculpa à mão é o descaso que continua a impedir a revitalização do monumento, construído em 1782, visando adornar a fonte preexistente, e que sofreu intervenções em 1889 e 1921, para nunca mais. O resultado é que o cenário que cerca a Bica do Tambiá, que já matou a sede da cidade em construção, continua desolador. Registrei a situação, mais uma vez, neste sábado, 29, num intervalo do Festival Literário Internacional da Paraíba. A antiga construção de pedra segue tomada por musgo, raízes e plantas, reforçada com escoras de madeira sinalizando fragilidade, que servem de anteparo contra o desabamento.

Enquanto isso, Prefeitura e Iphan (o instituto nacional que cuida do patrimônio brasileiro e que já tombou a referida fonte desde a década de 1940) prosseguem o debate sobre a sua recuperação. O último, em forma de audiência, aconteceu em agosto, teve participação da Advocacia Geral da União e do Ministério Público e terminou com o compromisso de a prefeitura empreender novas obras de sustentação. Nem isso, até agora teve sequer início. A restauração é que não tem prazo, mesmo. Será que vamos ter de esperar pelo arruinamento para, ao invés da revitalização, ser erguida alguma modernidade no lugar?


A Fliparaíba terminou, vida longa à Fliparaíba

01 dez. 2025

Encerrou-se neste sábado, 29, o II Festival Literário Internacional da Paraíba, realizado ao longo de três dias de intensa atividade, em que a permuta de impressões sobre língua, ancestralidade e democracia dominou a pauta, em universo que compreende a língua portuguesa em toda a sua dimensão geográfica mundial.

Aberto pelo próprio governador João Azevedo (citado aqui pelo envolvimento pessoal e direto na concepção do evento, desde a primeira edição), o Fliparaíba promoveu debates, shows e apresentações culturais indígenas, ciganas e quilombolas, envolvendo também crianças no Espaço Curumim.

O evento contou com representação de alto nível da República Portuguesa, na pessoa do advogado e romancista Alberto Santos, secretário de Estado da Cultura daquele país europeu. Ao lado do secretário de Cultura da Paraíba, Pedro Santos, do curador do evento, José Manoel Diogo, que também é escritor, e da jornalista Naná Garcez, presidente da Empresa Paraibana de Comunicação, Alberto Santos esteve presente a diversas atividades do festival, no amplo e monumental Centro Cultural São Francisco.

Participei da mesa Territórios Literários em Trânsito, mediada pelo escritor e jornalista Hélder Moura, contando ainda com Thélio Farias (assim como Hélder, membro da Academia Paraibana de Letras) e de Ernesto Mané, outro paraibano, ele físico, diplomata e escritor com trânsito internacional. Na pauta do debate, a literatura nômade, de trânsito, onde também se inscreve o memorialismo.

O festival, na minha visão, fortaleceu sobretudo o conceito de cidadania da língua portuguesa, entendida como a aceitação de que a língua é a soma de suas influências históricas, culturais e geográficas, alicerçadas nas vivências dos povos que a utilizam e que se traduzem em regionalismos, gírias, sotaques, expressões e ditados populares. Os neologismos, nos quais o Brasil é riquíssimo, encarregam-se de tornar a língua cada vez mais viva.

Que existam novas versões do Festival Literário Internacional da Paraíba, nos próximos anos, pois faz um bem danado ao entendimento das relações históricas da lusofonia.


70 anos da Universidade da Paraíba

02 dez. 2025

Neste 2 de dezembro de 2025 a Paraíba comemora 70 anos da criação de sua primeira universidade. Isso aconteceu no governo José Américo de Almeida, que sancionou neste dia a Lei Estadual 1.366, em 1955.

Naquele momento, havia 11 escolas isoladas de ensino superior no estado, sendo pioneira a Escola de Agronomia do Nordeste, em Areia, criada em 1936. As demais passaram a existir a partir de 1947, após o fim do Estado Novo.

Entre 1955 e 1956, quem assumiu o cargo de Reitor, se tornando, portanto, o primeiro, foi o educador Dumerval Bartolomeu Trigueiro Mendes, encarregado de organizar a instituição.

Entre 1956 e 1957, o cargo passou a ser exercido por José Américo de Almeida, que concluiu o mandato de governador. No período, o governo federal equiparou a instituição paraibana a uma universidade estadual.

Aproveitando a oportunidade, convém lembrar um pouco da figura histórica de Dumerval Trigueiro, nascido em Cuiabá, nos idos de 1927, mas que fez o primário em Campina Grande e o ginásio no Seminário Arquidiocesano em João Pessoa.

Após concluir os cursos de Letras Clássicas e, na sequência, o de Direito, no Recife, assumiu a cadeira de Sociologia da Educação na Faculdade de Filosofia da Paraíba, já em 1952.

Dumerval Trigueiro foi, para além de sua importância na criação da Universidade da Paraíba, atual Universidade Federal da Paraíba, um filósofo de grande influência na educação brasileira, na época.

Segundo registra documento da UFRJ, em 1958 ele se transferiu para o Rio de Janeiro a convite de Anísio Teixeira, então diretor do INEP, quando assumiu a supervisão da Campanha de Educação Complementar, visando ampliar a escolaridade primária.

Em 18 de março de 1964 foi nomeado para o Conselho Federal de Educação com mandato de seis anos, abreviado pela força de Ato Institucional editado em 31 de agosto de 1969, pelo regime ditatorial.

Dumerval Trigueiro faleceu em 9 de dezembro de 1987, no Rio de Janeiro, em acidente de tráfego na Praia de Botafogo. É Doutor Honoris Causa da UFPB e nomeia uma escola municipal, em João Pessoa, e a biblioteca da Fundação Casa de José Américo.


Anayde Beiriz

03 dez. 2025

Folheando edições da icôlnica Revista Era Nova, em coleção mantida na Internet pelo Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da UFPB, encontrei a bela foto que ilustra a crônica de hoje. Trata-se da mítica Anayde Beiriz bem perto de completar 19 anos.

A essas alturas de sua atribulada vida, já com o curso Normal concluído e professora da Colônia de Pescadores de Cabedelo, ele não tinha a menor ideia da tragédia que lhe tiraria a vida, pouco mais de seis anos após a exposição na revista. A edição é a de número 56, de 30 de janeiro de 1924.

Um ano depois da foto, Anayde Beiriz foi vencedora de um concurso de beleza promovido pelo jornal carioca Correio da Manhã. A beleza reconhecida, a condição de poeta e de defensora de teses feministas reforçavam em Anayde a imagem de uma mulher à frente do seu tempo.

Em 1928, iniciou relacionamento amoroso com o advogado e jornalista João Duarte Dantas, ligado à oposição ao então presidente da Parahyba do Norte, João Pessoa. Em 10 de julho de 1930, a polícia invadiu o escritório de Dantas e levou cartas e poemas de amor trocados pelo casal, guardados em cofre particular.

A vida íntima de Anayde virou assunto de folhetins, com a professora apresentada como mulher “leviana” e “amante”, numa campanha marcada por misoginia e tentativa de humilhar Dantas por meio da reputação dela.

Em 26 de julho de 1930, João Dantas, acompanhado do cunhado Augusto Caldas, entrou na Confeitaria Glória, no Recife, e atirou em João Pessoa, que morreu no local. O assassinato provocou comoção nacional e se tornou o principal motivo da Revolução de 1930.

Preso, Dantas apareceu morto na Detenção do Recife, em 6 de outubro de 1930, em meio à Revolução Liberal, oficialmente por suicídio. Em 22 de outubro, o mesmo aconteceu com Anayde, oficialmente por auto envenenamento. Tinha meros 25 anos de idade.


20 anos do FestAruanda

04 dez. 2025

Prestigiado pelo público, pelos cineastas e pela crítica especializada no Brasil e no exterior, o Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro já virou marca de João Pessoa no campo da arte cinematográfica nacional e internacional.

A propósito, a capital paraibana é berço de produções emblemáticas da filmografia brasileira, tanto no documentário quanto na ficção, passando também pelo cineclubismo que marcou o século XX na cidade.

Nesta quarta-feira, 3, o festival abriu sua 20ª edição, com direito à presença do governador João Azevedo e do secretário de Cultura, Pedro Santos, e sob o comando atento de seu criador, o professor e cineasta Lúcio Vilar, que integra o núcleo mais realizador do audiovisual paraibano, na atualidade.

O nome do festival celebra o documentário “Aruanda”, de 1960, rodado no Sertão paraibano e dirigido pelo cineasta paraibano Linduarte Noronha, um filme várias vezes premiado, reconhecido mundialmente como peça-chave para o Cinema Novo brasileiro.

Nos primeiros anos, o festival tinha caráter marcadamente universitário e se chamava Festival Aruanda do Audiovisual Universitário Brasileiro. O foco era revelar novos talentos e futuros profissionais do audiovisual.

Nesse formato, abria espaço para curtas, vídeos digitais e produções de estudantes, em diálogo com a TV universitária e com a ideia de fortalecer o cinema independente da região.

Com o tempo, o Aruanda deixou de ser apenas universitário e se consolidou como festival de cinema com alcance cada vez mais amplo. Hoje, além de mais antigo em função, na Paraíba, é considerado um dos mais importantes do país.

Para celebrar a memorável data a organização do evento está lançando o Fest Aruanda Praia, com telão e shows no Busto de Tamandaré, na Praia de Tambaú, programado para acontecer nesta quinta-feira, 03, à noite.

A ideia é aproximar ainda mais o festival do público geral, misturando cinema e música na orla e fortalecendo a presença do evento no calendário turístico e cultural de João Pessoa.

O FestAruanda é história viva.


Cinemas de rua e de shopping

05 dez. 2025

Nesta quarta-feira, 03, na abertura do Fest Aruanda, ao cruzar os imensos e luxuosos espaços que abrigam as salas de cinema do Manaíra Shopping, me vieram à lembrança os antigos cinemas de rua dos tempos de criança e adolescente, em João Pessoa.

Pelo que a memória me permite, pedindo desculpa por naturais lapsos na listagem, somente na área central da cidade, incluindo o Varadouro, chegaram a funcionar nove salas de cinema. O Plaza, o Rex (na foto) e o Municipal eram os mais notáveis. Mas também havia os Cines Brasil, Felipéia, Astória e São Pedro. Acrescente-se, em algum momento, o Teatro Santa Roza e o Popular.

Esses cinemas de rua eram parte naturalizada da vida da cidade, integrados ao cenário urbano e se espalhando pelos bairros de Cruz das Armas, Jaguaribe e Torre. Estavam situados na calçada, na companhia de bares, padarias, bancas de revista, marcando os caminhos diários de uma grande parte da população.

Em quantidade, as atuais salas dos shoppings podem até já ter superado a dos velhos cinemas de rua. A mudança reside na distribuição desses espaços e, consequentemente, no modo de ir ao cinema, uma vez que funcionam em grandes estruturas privadas e em pouquíssimos pontos da cidade.

O conforto técnico é inegavelmente superior. Na totalidade dessas salas, som, imagem e climatização seguem padrões elevados. (Embora, uma “caixa preta” semelhante em qualquer lugar do país).

A concentração de salas, no entanto, provoca um efeito negativo na dinâmica urbana. Bairros que cresceram, ganhando comércio e serviços, não dispõem de seus próprios cinemas. Seus moradores dependem de longos deslocamentos para assistirem a um filme. Sem falar que o ambiente de shopping costuma ser, por natureza, intimidativo e excludente para as camadas mais pobres.

Nada contra os cinemas dos shoppings. São estruturas maravilhosas. Apenas considero que os poderes públicos deveriam ir além dos limites autoimpostos pela iniciativa privada. Penso que salas públicas e espaços alternativos devem existir e precisam de políticas específicas. Sem isso, o resultado é a exclusão cultural.

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