Eu sou artista ?
Matéria de José Manuel Diogo, a partir do encontro com Gabriel Wickbold na 20ª Fliporto em Recife
Ali, no ponto em que a pagina se curva e interrompe a imagem, revela-se uma verdade silenciosa: tudo o que importa permanece inacabado. É nesse limite que a arte vive. Na falha. No intervalo onde o mundo ainda não tem nome.
Ontem, ao encontrar Gabriel Wickbold, percebi que ele próprio é essa dobra iluminada: uma clareira dentro da confusão, uma intuição que se abre no meio do caminho e nos devolve à nossa própria incompletude.
A revelação não está no foco, está sempre em outro lugar.
Ouvi-o falar da trajetória, da música que não era sua, do talento que não encontrou no lugar onde esperava, e nesse instante algo ficou claro. A revelação dele não estava no foco — estava em outro lugar. O dom não é aquilo que procuramos, mas aquilo que nos surpreende.
A dobra do livro, essa interrupção tão deliberada quanto natural, parece dizer: a vida não se entrega inteira; somos nós que precisamos aprender a lê-la pelas frestas.
eu sou artista
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eu sou artista 〰️
Gabriel apareceu-me mestre nesse gesto. Transformando superfícies em camadas, pele em memória, luz em pergunta. Obra que não afirma — desvela. Não conclui — inaugura. Não oferece respostas; oferece o espaço para que cada um encontre as suas.
E é por isso que sair de uma conversa com ele é como sair de uma sala iluminada de dentro para fora. Onde a arte não serve para completar o mundo, mas para lembrar que o mundo é sempre incompleto — e que é precisamente aí que reside a sua beleza. Que artista não é quem finaliza: é quem continua. Quem aceita o rascunho como estado natural das coisas. Quem sabe que a dobra não esconde: revela.
Afinal a beleza não está nas obras concluídas, mas na coragem de permanecer aberto. Aberto ao erro, ao acaso, ao talento que chega pela porta lateral.
No fim, somos todos essa página que ainda não se deitou completamente. Uma dobra entre aquilo que fomos e aquilo que ainda podemos ser.

